quarta-feira, 21 de outubro de 2015

ENTREVISTA A KEN WILBER. SOBRE RELIGIAO, EXOTERICA, ESOTERICA.



COMENTÁRIOS DE KEN WILBER
 Tradução de Ari Raynsford (ari@interair.com.br)
 1) Excertos da entrevista de Ken Wilber à jornalista alemã Edith Zundel (do livro Grace and Grit – Graça e Determinação)
 EZ: Eu, Rolf e nossos leitores estamos particularmente interessados na interface entre psicoterapia e religião.
KW: E o que significa para você a palavra religião? Fundamentalismo? Misticismo? Exoterismo? Esoterismo?
 EZ: Bem, este é um bom ponto para começarmos. Se não me engano, em Um Deus Social você apresentou onze diferentes definições para religião ou onze diferentes maneiras como é usada a palavra religião.
 KW: Sim, e minha opinião é que não podemos falar de ciência e religião, ou de psicoterapia e religião, ou de filosofia e religião antes de definir o que entendemos pela palavra religião. E visando ao nosso objetivo, no momento, penso que devemos distinguir pelo menos entre o que é conhecido por religião exotérica e religião esotérica. A religião exotérica ou “exterior” é religião mítica, religião que é terrivelmente concreta e literal, que realmente acredita, por exemplo, que Moisés abriu o Mar Vermelho, que Cristo nasceu de uma virgem, que o mundo foi criado em seis dias, que, um dia, literalmente choveu maná do céu, e assim por diante. Em todo o mundo, religiões exotéricas consistem desses tipos de crenças. Os hindus acreditam que a Terra deve estar apoiada em algo; assim, crêem encontrar-se sobre um elefante que, também necessitando de suporte, está sobre uma tartaruga; esta, por sua vez, encontra-se sobre uma serpente. E quando surge a pergunta “Em que a serpente está apoiada?”, a resposta dada é “Mudemos de assunto”. Lao Tsé nasceu com novecentos anos, Krishna acasalou-se com quatro mil vacas, Brahma nasceu da quebra de um ovo cósmico etc. Isto é religião exotérica, uma série de estruturas de crenças que tentam explicar os mistérios do mundo em termos míticos ao invés de termos testemunhais ou de experiência direta.
EZ: Assim, a religião exotérica ou exterior é, basicamente, uma questão de crença, não de evidências.
KW: Sim. Se você acredita em todos os mitos, será salvo; se não, vai para o Inferno – sem discussão. Esse tipo de religião é encontrado no mundo inteiro – fundamentalismo. Não tenho nada contra, apenas este tipo de religião, religião exotérica, nada tem a ver com a religião mística, ou religião esotérica, ou religião experiencial, que é o tipo de religião ou espiritualidade que me interessa.
EZ: O que significa esotérico?
 KW: Interior ou oculto. O fato de a religião esotérica ou mística ser oculta não é porque seja secreta ou algo assim, mas sim porque é uma questão de experiência direta ou percepção pessoal. A religião esotérica não pede que você acredite em nada na base da fé ou que engula obedientemente qualquer dogma. Ao contrário, a religião esotérica é um conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da sua própria consciência. Como toda boa ciência, é baseada na experiência direta, não em simples crenças ou desejos, e pode ser verificada e validada por outras pessoas que também tenham executado o experimento. O experimento é a meditação.
 EZ: Mas meditação é privada.
KW: Não, não é. Não mais do que, digamos, a matemática. Não há, por exemplo, nenhuma prova de que menos um elevado ao quadrado é igual a um; não há nenhuma prova sensória ou empírica para isso. É verdadeiro, mas somente é provado por uma lógica interna. Você não consegue encontrar menos um no mundo exterior; somente o encontra na sua mente. Mas isto não significa que não seja verdade, que seja conhecimento privado que não possa ser validado publicamente. Significa somente que esta verdade é validada por uma comunidade de matemáticos treinados, por todos aqueles que sabem como funciona o experimento lógico que irá definir sua veracidade. Do mesmo modo, o conhecimento meditativo é conhecimento interno, mas conhecimento que pode ser validado publicamente por uma comunidade de meditadores treinados, aqueles que conhecem a lógica interna da experiência contemplativa. Não se admite que qualquer pessoa opine sobre a verdade do teorema de Pitágoras; somente matemáticos treinados estão capacitados a fazê-lo. Da mesma maneira, a espiritualidade meditadora faz certas afirmações – por exemplo, que se você olhar profundamente para o seu eu interior sentirá que ele é uno com o mundo exterior – mas a veracidade delas deve ser verificada por você e qualquer outra pessoa que tente fazer o experimento. E após algo como seis mil anos em que este experimento vem sendo realizado, sentimo-nos perfeitamente tranqüilos em tirar certas conclusões, em desenvolver certos teoremas espirituais, por assim dizer. E esses teoremas espirituais são o núcleo das tradições da sabedoria perene.
EZ: Mas por que ela é chamada “oculta”?
KW: Porque se você não realiza o experimento, então não sabe o que está acontecendo, não está em condições de opinar, do mesmo modo que se você não aprende matemática, não consegue discutir a veracidade do teorema de Pitágoras. Quero dizer, você pode ter opinião a respeito, mas o misticismo não está interessado em opiniões, mas sim em conhecimento. A religião esotérica ou misticismo encontra-se oculta  para a mente daqueles que não realizam o experimento; é isso que significa a palavra “oculta”.
EZ: Mas as religiões variam muito entre si.
KW:  As religiões exotéricas variam tremendamente entre si; as religiões esotéricas são virtualmente idênticas em todo o mundo. Como já vimos, o misticismo (ou esoterismo) é científico, no sentido mais amplo da palavra, e do mesmo modo que não se tem química alemã versus química americana, não existe ciência mística hinduísta versus ciência mística islâmica. Ao contrário, elas concordam fundamentalmente no que diz respeito à natureza da alma, à natureza do Espírito e à natureza da sua suprema identidade, entre outras coisas. Isto é o que os eruditos chamam de “unidade transcendental das religiões do mundo” – eles referem-se às religiões esotéricas. É claro, suas estruturas superficiais variam tremendamente, mas suas estruturas profundas são virtualmente idênticas, refletindo a unanimidade do espírito humano sobre as leis desveladas fenomenologicamente.